Os recursos
hídricos da cidade de Jacobina, localizada no Piemonte da Chapada Diamantina,
no centro-norte da Bahia, podem ter sido contaminados por metais pesados por
causa das atividades desempenhadas pela maior empresa de mineração do estado, a
Jacobina Mineração e Comércio Ltda., controlada pela multinacional canadense
Yamana Gold Inc.
Alvo
do Ministério Público Estadual (MP-BA) desde a década de 90, a empresa conta ao
seu favor com a morosidade da Justiça. As atividades minerárias na Cidade do
Ouro provocaram cinco ações civis públicas movidas pela Promotoria de Justiça
Especializada em Meio Ambiente de âmbito regional com sede no município. As
ações foram impetradas em 2017, 2016, 2015, 2011, e no início de 1990. A
Jacobina Mineração responde também a ações no âmbito da Justiça do Trabalho,
uma delas intentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Em entrevista ao site
BNews, o promotor Pablo Almeida, que conduz um inquérito civil público
instaurado no ano passado, lamenta a lentidão do Poder Judiciário. O
procedimento investiga a contaminação de recursos hídricos e do solo após
supostos vazamentos de efluentes da JMC– Yamana. “Uma das ações tramita há mais
de duas décadas e ainda não foi julgada no primeiro grau de jurisdição, seja
acolhendo ou refutando os fatos trazidos pelo MP-BA. A demora na prestação
jurisdicional não se compatibiliza com o princípio constitucional da duração
razoável dos processos. E, os conflitos ambientais acabam se protraindo no
tempo, sem uma certificação definitiva”.
Ao site, o promotor recorda
que a empresa iniciou suas atividades antes da vigência das leis ambientais atuais
e da Constituição Federal de 1988, considerada um marco para o Direito
Ambiental no país. “À época, não era exigida a realização de estudos ambientais
como como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de
Impacto Ambiental (Rima), por exemplo. Por causa disso, muitos impactos
ambientais evitáveis acabaram ocorrendo, não foram previstas medidas
mitigatórias suficientes e não são previstas medidas compensatórias compatíveis
com o porte da atividade. A Yamana Gold, ao adquirir a empresa, assume a
responsabilidade por este passivo ambiental e diversos problemas ambientais da
década de 1980 que ainda subsistem na atualidade, como a não recuperação da
mina a céu aberto de João Belo, desativada desde 1982”, explica.
Em
inspeção, equipe do MP-BA encontrou cachorro agonizando, sangrando pelo nariz.
À direita, mina de João Belo a céu aberto.
No inquérito, é apontado
que até o Ministério Público Federal (MPF) já entrou em ação ao fiscalizar a
empresa 10 vezes em oito anos. “Uma média de fiscalização a cada 292 dias. O
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) informou que não fazia
relatórios das inspeções na planta, o que mais se assemelha a uma visita de
cortesia do que a uma inspeção, mesmo porque a Administração Pública,
repita-se, se orienta pelo princípio da oficialidade. Não bastasse tudo isso, o
próprio DNPM informa que a empresa descumpriu notificações e cumpriu outras
intempestivamente”, descreve Almeida no documento.
Para reportagem, o promotor
afirma que o mais grave entre os diversos problemas ambientais, ainda
existentes na atualidade, é a “contribuição da JMC– Yamana para a agravamento
dos padrões ambientais dos recursos hídricos da localidade”, que está
localizada em região castigada pela seca e vê seus mananciais de água, utilizados
inclusive para consumo humano, prejudicados pela atividade de mineração de
ouro. A JMC– Yamana é licenciada pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (Inema), avaliado pelo MP-BA como “extremamente falho” em
suas fiscalizações.
Após provocação do MP-BA, o
Inema elaborou um relatório técnico depois de colher 21 amostras de água, 12
amostras de sedimentos, duas amostras de efluentes, e três de solo. O material
colhido entre os dias 19 e 21 de abril do ano passado, na Fazenda Itapicuru,
Povoado de Itapicuru e também no Povoado de Canavieiras, foi analisado pelo
Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CEPED).
Segundo o relatório do
Inema, das 21 amostras de águas coletadas, “14 revelaram desconformidades,
sendo que na maior parte das vezes uma amostra apresentava mais de uma
inconformidade”, ou seja, “66,666% das amostras de águas revelaram
contaminação, desconformidade com os padrões da resolução do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama) ou elementos químicos em concentrações elevadas.
Repita-se, 2/3 das amostras de águas foram identificadas com problemas sérios,
sendo que em três delas fora identificado cianeto” em diversas concentrações.
Sobre as amostras de
sedimentos, o relatório indica que dos 12 sedimentos analisados, 6 “apresentaram
violação do parâmetro mercúrio, sendo que em alguns casos em níveis
preocupantes”, qualificados como PEL (probable effect level), que corresponde à
concentração do contaminante a partir do qual há probabilidade real de efeitos
tóxicos em organismos aquáticos. Foi constatado também “a presença de cianeto
em oito das 12 amostras colhidas”, além disso, em alguns locais “foram
encontrados peixes mortos”.
O
promotor também recorda de uma denúncia feita no dia 17 de abril de 2017,
quando três moradores compareceram à sede da promotoria e relataram a
mortandade de diversos animais na região do Itapicuru, desde o dia 13 de abril
daquele ano. Ao MP-BA, o grupo contou que identificou um vazamento em uma
tubulação da empresa, fato negado pela mineradora.
Na época, o promotor
recomendou medidas emergenciais à mineradora, à Empresa Baiana de Águas e
Saneamento S.A (Embasa), ao Inema e à prefeitura. Durante inspeções, o MP-BA
verificou a existência de outros vazamentos e também de paliativos adotados
pela empresa. “Após o vazamento, não se procedeu a substituição do segmento da
tubulação, apenas se remendou o furo, com a utilização de técnica bastante
questionável”, detalha Almeida.
Ainda investigando a
denúncia recebida por moradores do município, o promotor conta no inquérito que
o vazamento transportou efluente líquido ao Rio Itapicuruzinho. “Ou seja,
comprovado que um primeiro vazamento ocorreu, pelo menos, desde o dia 13 de
abril de 2017, o qual não fora comunicado pela empresa a qualquer órgão ou
autoridade pública. Ademais, restou provado conserto recente, sendo, portanto,
que a empresa tinha conhecimento do ocorrido e não comunicou a órgão públicos,
nem às pessoas do entorno, que consomem e fornecem a seus animais água do rio
afetado”. E ressalta: “não se trata de fato inédito, já que no último
derramamento de cianeto identificado pelos órgãos públicos, a empresa ocultou o
acidente por alguns dias, colocando todos em risco”.
De acordo com o promotor,
os locais onde ocorreram os vazamentos “são importantíssimos para o
abastecimento humano pela Embasa em Jacobina. As barragens que abastecem a sede
de Jacobina, com água da Embasa, são preenchidas com os rios que passam pela
planta industrial e de exploração” da mineradora.
Também é preocupante,
segundo o MP-BA, a proximidade entre as Bacias de Rejeito da JMC– Yamana e a
Barragem do Itapicuruzinho, cuja distância entre elas é de 1 Km. “A
barragem de rejeitos não é capaz de fornecer adequada proteção ao lençol
freático (água subterrânea) que alimenta a bacia hidrográfica do Rio
Itapicuru”, detalha. Ainda de acordo com o inquérito, ao lado desta foi
barragem foi construída uma nova. O promotor afirma que “não obstante a antiga
barragem não estar mais sendo utilizada para depósito de novos rejeitos, os
resíduos lá colocados por década continuam em contato com o meio ambiente,
porque inexistente impermeabilização no local, isso tudo a poucos metros dos
rios e da Barragem do Itapicuruzinho”, que abastecem a cidade.
No
inquérito, o promotor classifica o sistema de segurança contra acidentes da
mineradora como “frágil”. Ele ainda lembra o vazamento ocorrido em maio de
2008. “Já houve contaminação do Reservatório da Embasa, que fornece água para
toda a população de Jacobina e o que é pior, a empresa JMC - Yamana ocultou tal
fato das autoridades públicas por alguns dias. O fato somente veio a público
após a denúncia de um radialista. Durante alguns dias toda a população de
Jacobina bebeu água com cianeto e a empresa, absurdamente, somente noticiou os
fatos às autoridades públicas após se certificar que a perícia seria
dificultada pelo tempo decorrido”.
O promotor reforça no
inquérito que a impermeabilização natural utilizada pela Jacobina Mineração
“não propicia adequada impermeabilização do solo, conforme exigências
mundialmente aceitas”. Acrescenta ainda que os “efluentes líquidos lançados
pela Mina João Belo contaminam o manancial (Rio do Almoço), provocando a
turbidez da água e o assoreamento do seu leito, bem como da barragem da Embasa,
que abastece toda cidade de Jacobina”.
No procedimento de
investigação, são relatados quatro episódios “de comprovados lançamentos de
efluentes industriais na natureza, inclusive com sedimentos”. Um deles ocorrido
em 21 de março de 2007, outros em 04 de abril de 2008 e em maio de 2008, e mais
um no dia 21 de julho de 2009, durante inspeção do MP. “Ressaltamos que no
passado a empresa lançava água de mina sem nenhum tratamento no Rio Canavieira,
sob a ponte de acesso à mina de Canavieiras. Os impactos mais relevantes aos
recursos hídricos referem-se aos assoreamento, lançamento de efluentes líquidos
de garimpo e mineração e resíduos sólidos”. A situação torna-se alarmante
quando o promotor destaca que a Embasa informou que “realizou tratamento padrão
da água, sem a complexidade necessária para eliminar alguns elementos químicos
e metais identificados nas análises referidas neste despacho”.
Ao site, o promotor afirmou
que uma questão ainda não foi esclarecida de maneira satisfatória em relação às
barragens de rejeitos 1 e 2. “A empresa promoveu a conexão dos dois drenos de
fundo, dessas duas barragens. Estudo da própria empresa falava que com o
fechamento da barragem 1 se esperava a redução significativa da drenagem do
dreno de fundo. Todavia, segundo dados da auditoria o volume da drenagem aumentou.
No mais, tanto o Inema, quanto a Agência Nacional de Mineração, quanto a
empresa, solicitaram mais prazo para apresentação de informações e documentos,
o MP concedeu prazos para tanto. Os prazos se encerram no final de setembro e
outubro”.
Ao MP, de acordo com o
inquérito, a JMC– Yamana justificou que “continuarão pendentes” respostas e
resultados até a realização de programas hidrológico e hidrogeoquímico. “Ou
seja, realiza e implementa um plano de fechamento na ausência de dados
científicos concretos.
Indaga-se, ademais, quando
estes estudos irão ser realizados, em 2022? 2050? 2080? Nem mesmo a empresa
informa quando estes estudos iriam ser realizados”, aponta o promotor.
O inquérito civil ainda
está em tramitação.
Outro lado
Procurada pelo site BNews, a
assessoria da Jacobina Mineração e Comércio reafirmou “que não houve vazamentos
de efluentes industriais em abril de 2017 e que a operação não impactou
negativamente a qualidade da água na região”.
Sobre as ações civis, a
mineradora afirma que “está convencida de que estudos técnicos e imparciais vão
concluir que a empresa vem adotando as melhores práticas ambientais, que têm
sido continuamente aperfeiçoadas, visando ao desenvolvimento da atividade de
mineração de forma ambientalmente sustentável”.
Acrescenta também que “atua
de acordo com suas licenças ambientais, estando, também, em conformidade com
certificações internacionais, como ISO 14001 (Sistemas de Gestão Ambiental) e
Código Internacional de Cianeto, que atestam a excelência em sua gestão socioambiental”.
Por fim, salienta que “continuará participando das discussões sobre o assunto e
permanece sempre aberta ao diálogo construtivo com os órgãos competentes e com
a comunidade jacobinense”.
Leia a nota na
íntegra:
“Em relação à investigação
iniciada pelo Ministério Público do Estado da Bahia, a Jacobina Mineração e
Comércio reafirma que não houve vazamentos de efluentes industriais em abril de
2017 e que a operação não impactou negativamente a qualidade da água na região.
Estamos comprometidos em operar de acordo com os mais altos padrões ambientais
e continuamos a ser transparentes com todas as partes interessadas sobre
impactos potenciais e reais como resultado de nossas operações.
Em relação aos eventos em
questão, as autoridades competentes certificaram que a tubulação em que o
vazamento foi encontrado continha apenas água doce (bruta), ou seja, água como
encontrada na natureza, que possui propriedades absolutamente compatíveis com
as características e níveis geológicos de metais típicos da região.
A análise técnica realizada
pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), logo após o
evento, concluiu que não há relação de causa e efeito entre a não conformidade
dos parâmetros encontrados na água e o processo industrial da Jacobina Mineração
e Comércio. Por isso, a empresa repudia a alegação de que as atividades
desenvolvidas contribuem negativamente para a qualidade da água na região.
A Jacobina Mineração e
Comércio está convencida de que estudos técnicos e imparciais vão concluir que
a empresa vem adotando as melhores práticas ambientais, que têm sido
continuamente aperfeiçoadas, visando ao desenvolvimento da atividade de
mineração de forma ambientalmente sustentável.
A Jacobina Mineração e
Comércio também reafirma que atua de acordo com suas licenças ambientais,
estando, também, em conformidade com certificações internacionais, como ISO
14001 (Sistemas de Gestão Ambiental) e Código Internacional de Cianeto, que
atestam a excelência em sua gestão socioambiental. A empresa continuará participando
das discussões
sobre o assunto e permanece
sempre aberta ao diálogo construtivo com os órgãos competentes e com a
comunidade Jacobinense.”
Audiência pública
Na manhã do próximo dia 19,
será discutido em uma audiência pública os impactos ambientais das atividades
da mineradora. Na oportunidade, estarão reunidos os órgãos públicos, a JMC–
Yamana e mebros da sociedade civil.
Segundo o promotor, 22
instituições já se habilitaram para manifestação oral. “Após essa fase de
análise de documentos, audiência pública, e também após inspeção na empresa, o
MP-BA analisará as medidas cabíveis, se a propositura de ações, se a assinatura
de Termos de Ajustamento de Conduta, caso haja concordância da empresa”.
O evento acontecerá no
Colégio Gilberto Dias de Miranda, conhecido como COMUJA, situado à Rua Antônio
Manoel A. de Mesquita, no bairro Félix Tomaz.
Fonte:
BNews
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